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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

ESPORTE COMO CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

A profissão da Educação Física e Esporte precisa combater as influências negativas de um modo de viver que reduz o movimento humano. Deveríamos ser mais sensíveis à importância do movimento e do alcance educativo da formação esportiva dos jovens. Nossos esforços deveriam ir na direção da formação integral de nossa infância e juventude, sendo a formação esportiva um componente dessa formação.

Na faixa etária onde ocorre a formação esportiva, já temos no Brasil mais de 35 milhões de adolescentes. O surpreendente é o número de jovens federados, que participam de esportes de modo oficial. Um país que pretende ser olímpico não pode ter apenas 10% de sua juventude praticando esportes de maneira regular.

Lamentavelmente, milhões já estão no mercado de trabalho, 25% são desnutridos e 10% são obesos. Apesar deste quadro negativo, o país é um grande exportador de esportistas de modalidades coletivas (futebol, vôlei, basquete e futsal). Imaginem, com esta população, se tivéssemos uma cultura esportiva no país. A realidade do nosso Esporte e o conhecimento cada vez mais fundamentado sobre a atividade deixam transparecer a necessidade de se criar uma outra filosofia relativa a este tipo de prática, que sustente a procura de caminhos mais apropriados. Nesta visão, impõe-se antes de mais nada que se tenha uma idéia clara do que representa e o que significa a formação do indivíduo.
Formação significa ação de desenvolver as capacidades próprias do ser humano: inteligência, sentido social, consciência social, patriotismo, espíritocrítico etc.. É com este sentido que o esporte para crianças e jovens deve ser orientado de forma a fazer convergir os objetivos das práticas esportivas com os objetivos que presidem a educação. Então, a formação esportiva dos jovens deve ser enquadrada corretamente nas finalidades e metas do sistema educativo. É na escola onde as crianças e jovens devem aprender a estudar, a ser, a descobrir e criar, fazer e agir, praticar esportes, viver em conjunto, em equipe, de forma interativa e solidária.

Como nação, temos dispensado pouco tempo e energia no comprometimento de recursos (humanos, físicos e financeiros) para o desenvolvimento da infância em nossa sociedade. Nosso enfoque tem sido similar a jogar sementes na terra, na esperança que elas germinem flores, bonitas e perfumadas. Com bastante sol e chuva, muitas poderão brotar, mas apenas algumas florescerão. O mesmo pode ser dito das crianças de nossa nação. Todos se desenvolverão na sociedade, com ou sem ajuda, mas somente os mais fortes se tornarão membros úteis em nossa sociedade. Para sermos melhores “jardineiros”, precisamos examinar o processo de desenvolvimento que permite às crianças alcançar seu mais completo potencial.

Nossa sociedade assiste atônita a uma surpreendente patologia comportamental: o desaparecimento da infância como fase natural da vida humana. Já não vemos crianças entretidas em brincadeiras e jogos que faziam parte da paisagem urbana das nossas cidades. Com apoio dos próprios pais, entusiasmados com a perspectiva econômica, muitas crianças estão sendo prematuramente condenadas a uma vida adulta e sórdida. Privadas da infância,
elas estão se comportando, vestindo, consumindo, falando e trabalhando como adultos. A inocência infantil está sendo impiedosamente banida pela indústria do entretenimento. Na verdade, a formação por etapas, que se adquire na família, nos livros e nas escolas, foi substituída pelo aprendizado instantâneo e moralmente insensível da televisão. Não é preciso ser médico ou psicólogo paraque se possa prever as distorções afetivas, psíquicas e emocionais dessa perversa iniciação precoce.

Este é um quadro que não é compatível com destaque em Esporte algum, muito menos com ser um país olímpico. Como estas crianças e jovens não desenvolvem pré-requisitos para o rendimento esportivo através de exercícios físicos, também não desenvolvem motivação para qualquer treinamento. Aliás, este quadro atual é preocupante do ponto de vista da Saúde Pública, pois estamos a caminho de “fazer” crianças moles e flácidas, curvadas, sedentárias, telespectadores míopes, sem lhes proporcionar contrapartidas em movimentos, em atividades motoras que, na verdade, são as raízes da inteligência criadora do ser humano.

Até 15 ou 20 anos atrás, a formação generalizada em nosso país era produzida ao “ar livre”, pelas brincadeiras de rua, pelos jogos e pelos espaços disponíveis, desenvolvendo as habilidades fundamentais de corrida, saltos, lançamentos, galopes, além de movimentos de chutar, rebater, rolar, agarrar, amortecer, receber, apoiar, equilibrar, balanças, girar, etc.

Estima-se, que no Brasil, quase três milhões de crianças participam e competem regularmente em algum tipo de esporte, quantidade esta bem inferior àquela que nem sequer vai às escolas e, ainda, inferior a que já está precocemente no mercado de trabalho. Mesmo assim, entre os profissionais da Educação Física e do Esporte, muitos são contrários à participação das crianças. Um setor pessimista vê o Esporte para crianças como uma exploração da infância, com excessivas exigências, tanto físicas como psicológicas, para satisfazer mais aos adultos do que às próprias crianças. Os defensores do Esporte para crianças (dos quais eu faço parte), preconizam desenvolvimentos psicológicos altamente desejáveis como cooperação, motivação, respeito, capacidade de lidar com o sucesso e o fracasso. Onde estará a verdade? No meu entendimento, a verdade está em algum ponto de equilíbrio, em uma região em que predomina o bomsenso. Sendo um fervoroso defensor de todo tipo de práticas, esportivas ou não, penso haver maior potencial de benefícios do que malefícios. Independentemente de nossas opiniões acadêmicas, as crianças sempre vão querer participar das atividades esportivas, visto sua força social no mundo atual. A questão, então, não é se a crianças deve ou não participar, mas sim como essa participação pode ser realizada, tendo como referência sua saúde e o respeito pela sua individualidade biológica. A participação das crianças no Esporte não pode estar subordinada a interesses pessoais, que valorizem unicamente o rendimento, pois elas têm o direito de participar num ambiente seguro, em um nível compatível com seu desenvolvimento. Acima de tudo, participar como criança e não como adulto. É preciso ter em mente que, ao privar as crianças de seus direitos básicos de desenvolverem suas capacidades, estamos negando-lhes a cidadania. Num país em que apenas uma minoria tem acesso à prática regular do Esporte, seria altamente desejável que nossos esforços se concentrassem em oferecer essa prática a todas as crianças.

Prof. Dr. Valdir J. Barbanti
Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

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